hoje eu passei o dia trancafiado no meu quarto, olhando o movimento das pessoas pela janela, um copo de café e três latas de salsichas me acompanhavam. quando deu quatro da tarde fui revirar no quarto velho alguns livros, na vontade de ler algo novo achei num livro bem antigo uma memória. de capa avermelhada, lombada estragada e folhas soltando, dei uma folheada e me deparei com uma anotação. eu devia ter uns vinte e cinco anos quando a escrevi:
faz muito tempo que não faço isso. faz muito tempo que eu amo sem dor, que não percebo mais a beleza no desprezo, que me contento com o sentimento raso e duradouro. é gostoso caminhar a vida de leve, sentir o sol do dia e o vento correr pelo rosto. faz tempo que minha preocupação não é mais sentimental, agora ela é social, ela é religiosa, ela é bem no alvo.
e então ela vira minha cabeça me desmonta, ela me faz querer me divorciar, abandonar o meu amor e ainda me insulta, me obriga a abdicar do meu passado e da minha história, primeiro quebra e então me remolda.
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